imperfeito

sábado, junho 28, 2008

Minha homenagem aos 100 anos do nascimento de João Guimarães Rosa, 27.06.2008

Os textos de dois escritores brasileiros, em especial, me atraem: Érico Veríssimo e Guimarães Rosa. Ambos foram, a seu modo, radicalmente brasileiros. Ambos eram extremamente cultos. Ambos não tiveram a mínima cerimônia de incorporar em seus textos palavras estrangeiras. Foram opostos na tessitura, foram opostos no uso das palavras e, mesmo assim, incrivelmente precisos, diretos, econômicos em suas narrativas. Foram extremamente fieis à sua terra e ao seu povo, Érico ao âmago gaúcho e João à alma das Gerais. Ao contrário de Érico, os textos de João nunca foram por mim lidos com facilidade. Necessitava, muita vez, lê-los e relê-los. João foi um inventor de palavras, talvez por isso.



"Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente. Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como o sofrimento dos homens."

João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo (MG) em 27 de junho de 1908. Seu Fulo, seu pai, foi comerciante, juiz-de-paz, caçador e contador de estórias. Ainda criança estudou sozinho francês e um pouquinho mais tarde aprendeu também holandês com um frade franciscano.

Estudou em Belo Horizonte e por pouco tempo em São João del Rei (não suportava a comida do internato). De volta a Belo Horizonte estuda no famoso Colégio Arnaldo, onde aprende alemão. Mais tarde, em uma entrevista fala sobre sua facilidade em aprender línguas:


“Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do tcheco, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração.”

Com 16 anos inicia o curso de Medicina na Universidade de Minas Gerais. A célebre frase dita na sua posse na Academia Brasileira de Letras - as pessoas não morrem, ficam encantadas – provém dessa época. Foi dita no velório de um colega de turma.

Exerce a medicina por 2 anos no interior de Minas, onde tem contato bastante próximo com os receitadores populares que utilizavam principalmente raízes em suas receitas. Torna-se amigo de um deles, espírita, que o inspira no personagem Quelemém de Grande Sertão: Veredas.

Faz concurso público e vai trabalhar em Barbacena como Oficial Médico de um Batalhão. Como lhe sobrasse tempo, voltou a estudar idiomas estrangeiros e a pesquisar o comportamento e os hábitos dos jagunços dos barrancos do São Francisco.

Por influência de um amigo presta concurso para o Itamaraty. É aprovado em segundo lugar e começa a sua vida de diplomata. Abandona a Medicina.

Nesse ínterim, Rosa já havia vencido uma série de concursos literários. Os contos de um deles transformar-se-iam em Sagarana. Essa obra sempre foi reconhecida como uma das mais importantes já escritas no Brasil. Seus contos representam a beleza selvagem da paisagem, a vida no campo, os vaqueiros, e o linguajar característico e pitoresco do povo, os regionalismos das montanhas de Minas.

Em 1938, Guimarães Rosa é nomeado Cônsul Adjunto em Hamburgo. Lá conhece Aracy (Ara), sua segunda mulher. Escapou da morte várias vezes durante a Segunda Guerra. Sua casa é bombardeada durante a sua ausência. Ajudou, protegeu e facilitou, junto com a mulher Aracy, a fuga de judeus na Alemanha nazista. Por essas ações foi homenageado em Israel. Um bosque nas encostas de Jerusalém passou a ser chamar João Guimarães Rosa e Aracy Moebius de Carvalho.

Rosa tinha grande pudor em falar sobre si e vangloriar-se por atos de grandeza humana. Outra de suas características de comportamento, talvez pela sua convivência com o povo místico do interior de Minas, acreditava na força da lua, respeitava a umbanda, a quimbanda e o kardecismo, os curandeiros e feiticeiros. Para ele, pessoas, casas e cidades possuíam fluidos positivos e negativos, que influíam nas emoções, nos sentimentos e na saúde de seres humanos e animais. Aconselhava os filhos a terem cautela e a fugirem de qualquer pessoa ou lugar que lhes causasse algum tipo de mal estar.

Em 1942, quando o Brasil declara guerra à Alemanha, Rosa fica preso com vários brasileiros, entre eles o pintor Cícero Dias, durante 4 meses. Uma troca com diplomatas alemães permite a libertação de todos.

Seu próximo posto diplomático é em Bogotá. Lá, na altitude de 2.600 metros escreve o conto Páramo, que integra o livro póstumo Estas Estórias. Esse conto, tido como autobiográfico, retrata a experiência de uma "morte parcial", vivenciada pela solidão e saudade, frio, e principalmente pela asfixia provocada pelo ar rarefeito.

Rosa era um anotador de detalhes. Consumia grande número de cadernos de espiral com anotações sobre o modo de falar, os costumes, a fauna e flora, as crenças e superstições, casos e anedotas, versos e canções. Rosa foi um fantástico frasista (parece ser uma qualidade de grandes escritores).

Por incrível que possa parecer, Rosa não foi eleito em 1957 para a Academia Brasileira de Letras (obteve apenas 10 votos). Só o foi em 1963, eleito por unanimidade. No entanto, só assume sua cadeira na Academia 3 dias antes de sua morte, em 1967. Nesse mesmo ano foi indicado, por seus editores franceses, alemães e italianos, para o Prêmio Nobel de Literatura. Nunca se saberá se Rosa teria ganho o Nobel porque bem antes disso faleceu.

Principais obras:

· Sagarana (1946), contos e novelas, livro de estréia.
· Corpo de Baile (1956), novelas
· Grande Sertão:Veredas (1956), romance
· Primeiras estórias (1962), contos
· Tutaméia:Terceiras estórias (1967), contos.

Algumas poucas de suas Frases:

É preciso sofrer depois de ter sofrido, e amar, e mais amar, depois de ter amado

Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria...
Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos...
Essa... a alegria que ele quer

Eu quase que nada sei. Mas desconfio de muita coisa....

Felicidade se acha é em horinhas de descuido

Se todo animal inspira ternura, o que houve, então, com os homens?

O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem

Quem sabe direito o que uma pessoa é?

Antes sendo: julgamento é sempre defeituoso,
porque o que a gente julga é o passado.

Infelicidade é uma questão de prefixo.

Saudade é ser, depois de ter.

Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando.

a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a idéia e o sentir da gente; o que isso era falta de soberania, e farta bobice, e fato é.

Eu sei: quem ama é sempre muito escravo, mas não obedece nunca de verdade...

Esperar é reconhecer-se incompleto

Cê vai, Ocê fique, Você nunca volte

Diadorim é a minha neblina

Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto. As pessoas, e as coisas não são de verdade!

...linda, linda. linda como uma alegria triste, uma alegria magoada que ficou triste, de repente..."

O Sertão é confusão em grande demasiado sossego.

a colheita é junto, o capinar é sozinho.

Eles se disseram, assim eles dois, coisas grandes em palavras pequenas, ti a mim, me a ti, e tanto.

A gente pensa que vive por gosto, mas vive por obrigação.

6 Comments:

  • "Felicidade se acha é em horinhas de descuido..."

    Tenho andado tão descuidada...

    Carioca, vc ta tao sumidinho!!!

    Beijos...

    By Anonymous Anônimo, at 6:38 PM  

  • Ah, que post rico, me deliciei aqui !!
    Cara, sou apaixonado pelo universo ficcional de Guimarães Rosa ..
    Abração !!

    By Blogger Nando Damázio, at 4:43 AM  

  • Maravilha de homenagem!!!

    Adorei!

    Do Guimarães sabia pouca coisa, a única obra que li foi grande sertão veredas.

    By Blogger c, at 7:05 PM  

  • Olá!
    Linda homenagem. Precebe-se, nesse resumo de sua vida, humildade e sede do saber...
    Lamentavelmente tudo chegou tarde, a indicação para academia, como o prêmio Nobel de Literatura. Mas deixou seu legado.
    Parabéns pela iniciativa de lembrar e homenagear esse grande escritor.
    Beijo!

    By Blogger Lu, at 3:13 PM  

  • Luís, seiq ue vou parecer velho, mas sou do tempo da série Grande sertão na rede globo. eu nem sbia ler nessa época, eu acho e a série passava tarde, porém, era de uma lindeza [sim, eu usava essa palavra]. depois que cresci eu quis mto rever, espero que um dia saia em DVD, ainda não li o livro, e me perdi na história, lembro de flashes, imagens. grande guimarães!

    By Blogger Júnior Creed, at 11:11 AM  

  • Querido
    muito obrigada.

    Parabéns!
    Eliana

    By Blogger Eliana Gerânio Honório., at 1:19 PM  

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