O pássaro Zélia voou ontem em busca de Jorge no infinito

Zélia nasceu paulistana e lá ficou até quase os 28 anos. Desde cedo mostrou seu lado de militante política. participou de movimentos operários dos imigrantes italianos, espanhóis e portugueses. Seu casamento com Jorge Amado foi o seu segundo. Do primeiro teve um filho, Luiz Carlos.

Conheceu Jorge, de quem já devorava os livros, em 1945. No ano seguinte o casal passou a morar no Rio de Janeiro com a eleição de Jorge para a Câmara Federal, representando o Partido Comunista. Essa permanência durou pouco porque, com a declaração de ilegalidade do Partido, Jorge perdeu o mandato e ambos tiveram que se exilar em Paris. Tinham à época em filho bebê, João Jorge.

Na Europa moraram em Paris por 3 anos e em Praga por 5 anos. Nessa época tiveram Paloma. Zélia cursou a Sorbonne, concluindo os cursos de Civilização Francesa e de Fonética e Língua Francesa. Em Praga Zélia aproximou-se da fotografia e a transformou em um hobbie. De suas lentes saiu o principal registro fotográfico da família no exílio.

Somente voltaram ao Brasil, definitivamente, em 1963, indo morar na casa que se tornou célebre no Rio Vermelho em Salvador. Nessa casa Zélia montou um laboratório fotográfico e construiu a Reportagem Imcompleta, livro fotobiográfico de Jorge Amado.

Todos sabem do enorme amor que Zélia e Jorge tinham um pelo outro. Todos sabem que Zélia foi os braços de Jorge na vida a dois e no trabalho do escritor. Zélia datilografava, passava a limpo, revisava os textos de Jorge. Todos sabem da cumplicidade poderosa que entre havia. Do respeito e confiança quase religiosos que tinham entre si. Todos sabem que Zélia escreveu livros de exemplar qualidade literária e de exemplar sensibilidade. Todos sabem que livros como Anarquistas, Graças a Deus e muitos dos seus outros 13 livros foram traduzidos para diversas línguas. Todos sabem que Anarquistas virou mini-série de tv e que outros dos seus textos viraram peças de teatro. Todos também sabem que Zélia ganhou inúmeros prêmios, comendas e títulos internacionais, como a “des Arts et des Lettres” da França.

Mas sabiam que Zélia era ótima jogadora de sinuca e de bilhar ? E que “o feltro verde é um modo de encontrar Jorge” ? E que ela não gostava que a chamassem por “senhora” ? E que essa dama de sorriso tímido-meigo-forte foi duramente criticada por sua eleição à Academia Brasileira de Letras, acusada de não saber escrever ?



“Sempre gostei de jogar, especialmente baralho. Em 1950, eu e Jorge, no exílio político nos hospedamos por algumas semanas no Castelo dos Escritores, nos arredores de Praga, mantido pelo governo tchecoslovaco. Era um palácio de antigos nobres, muito luxuoso. Jorge, muito curioso, saiu à procura de novidades pelos corredores. Ele achou, por exemplo, um baú cheio de roupas de festa de nobres. Nós e os escritores comunistas que faziam parte do programa nos vestimos com aqueles trajes, imaginando ser príncipes e princesas. Tiramos fotos divertidíssimas da ocasião e ainda as guardo comigo. Jorge terminou abrindo um salão no fundo de um corredor e achou uma mesa de bilhar. Todo o mundo se divertiu jogando. Mencionei a lembrança ao meu filho e ele resolveu me dar de presente de Natal uma mesa completa de bilhar. Agora jogo para me distrair. Quando encaçapo uma bola, fico na maior felicidade! “ (entrevista concedida à revista Época)

RIO - As ondas deste domingo