Minha homenagem aos 100 anos do nascimento de João Guimarães Rosa, 27.06.2008
"Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente. Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como o sofrimento dos homens."
João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo (MG) em 27 de junho de 1908. Seu Fulo, seu pai, foi comerciante, juiz-de-paz, caçador e contador de estórias. Ainda criança estudou sozinho francês e um pouquinho mais tarde aprendeu também holandês com um frade franciscano.
Estudou em Belo Horizonte e por pouco tempo em São João del Rei (não suportava a comida do internato). De volta a Belo Horizonte estuda no famoso Colégio Arnaldo, onde aprende alemão. Mais tarde, em uma entrevista fala sobre sua facilidade em aprender línguas:
“Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do tcheco, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração.”
Com 16 anos inicia o curso de Medicina na Universidade de Minas Gerais. A célebre frase dita na sua posse na Academia Brasileira de Letras - as pessoas não morrem, ficam encantadas – provém dessa época. Foi dita no velório de um colega de turma.
Exerce a medicina por 2 anos no interior de Minas, onde tem contato bastante próximo com os receitadores populares que utilizavam principalmente raízes em suas receitas. Torna-se amigo de um deles, espírita, que o inspira no personagem Quelemém de Grande Sertão: Veredas.
Faz concurso público e vai trabalhar em Barbacena como Oficial Médico de um Batalhão. Como lhe sobrasse tempo, voltou a estudar idiomas estrangeiros e a pesquisar o comportamento e os hábitos dos jagunços dos barrancos do São Francisco.
Por influência de um amigo presta concurso para o Itamaraty. É aprovado em segundo lugar e começa a sua vida de diplomata. Abandona a Medicina.
Nesse ínterim, Rosa já havia vencido uma série de concursos literários. Os contos de um deles transformar-se-iam em Sagarana. Essa obra sempre foi reconhecida como uma das mais importantes já escritas no Brasil. Seus contos representam a beleza selvagem da paisagem, a vida no campo, os vaqueiros, e o linguajar característico e pitoresco do povo, os regionalismos das montanhas de Minas.
Em 1938, Guimarães Rosa é nomeado Cônsul Adjunto em Hamburgo. Lá conhece Aracy (Ara), sua segunda mulher. Escapou da morte várias vezes durante a Segunda Guerra. Sua casa é bombardeada durante a sua ausência. Ajudou, protegeu e facilitou, junto com a mulher Aracy, a fuga de judeus na Alemanha nazista. Por essas ações foi homenageado em Israel. Um bosque nas encostas de Jerusalém passou a ser chamar João Guimarães Rosa e Aracy Moebius de Carvalho.
Rosa tinha grande pudor em falar sobre si e vangloriar-se por atos de grandeza humana. Outra de suas características de comportamento, talvez pela sua convivência com o povo místico do interior de Minas, acreditava na força da lua, respeitava a umbanda, a quimbanda e o kardecismo, os curandeiros e feiticeiros. Para ele, pessoas, casas e cidades possuíam fluidos positivos e negativos, que influíam nas emoções, nos sentimentos e na saúde de seres humanos e animais. Aconselhava os filhos a terem cautela e a fugirem de qualquer pessoa ou lugar que lhes causasse algum tipo de mal estar.
Em 1942, quando o Brasil declara guerra à Alemanha, Rosa fica preso com vários brasileiros, entre eles o pintor Cícero Dias, durante 4 meses. Uma troca com diplomatas alemães permite a libertação de todos.
Seu próximo posto diplomático é em Bogotá. Lá, na altitude de 2.600 metros escreve o conto Páramo, que integra o livro póstumo Estas Estórias. Esse conto, tido como autobiográfico, retrata a experiência de uma "morte parcial", vivenciada pela solidão e saudade, frio, e principalmente pela asfixia provocada pelo ar rarefeito.
Rosa era um anotador de detalhes. Consumia grande número de cadernos de espiral com anotações sobre o modo de falar, os costumes, a fauna e flora, as crenças e superstições, casos e anedotas, versos e canções. Rosa foi um fantástico frasista (parece ser uma qualidade de grandes escritores).
Por incrível que possa parecer, Rosa não foi eleito em 1957 para a Academia Brasileira de Letras (obteve apenas 10 votos). Só o foi em 1963, eleito por unanimidade. No entanto, só assume sua cadeira na Academia 3 dias antes de sua morte, em 1967. Nesse mesmo ano foi indicado, por seus editores franceses, alemães e italianos, para o Prêmio Nobel de Literatura. Nunca se saberá se Rosa teria ganho o Nobel porque bem antes disso faleceu.
Principais obras:
· Sagarana (1946), contos e novelas, livro de estréia.
· Corpo de Baile (1956), novelas
· Grande Sertão:Veredas (1956), romance
· Primeiras estórias (1962), contos
· Tutaméia:Terceiras estórias (1967), contos.
Algumas poucas de suas Frases:
É preciso sofrer depois de ter sofrido, e amar, e mais amar, depois de ter amado
Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria...
Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos...
Essa... a alegria que ele quer
Eu quase que nada sei. Mas desconfio de muita coisa....
Felicidade se acha é em horinhas de descuido
Se todo animal inspira ternura, o que houve, então, com os homens?
O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem
Quem sabe direito o que uma pessoa é?
Antes sendo: julgamento é sempre defeituoso,
porque o que a gente julga é o passado.
Infelicidade é uma questão de prefixo.
Saudade é ser, depois de ter.
Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando.
a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a idéia e o sentir da gente; o que isso era falta de soberania, e farta bobice, e fato é.
Eu sei: quem ama é sempre muito escravo, mas não obedece nunca de verdade...
Esperar é reconhecer-se incompleto
Cê vai, Ocê fique, Você nunca volte
Diadorim é a minha neblina
Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto. As pessoas, e as coisas não são de verdade!
...linda, linda. linda como uma alegria triste, uma alegria magoada que ficou triste, de repente..."
O Sertão é confusão em grande demasiado sossego.
a colheita é junto, o capinar é sozinho.
Eles se disseram, assim eles dois, coisas grandes em palavras pequenas, ti a mim, me a ti, e tanto.
A gente pensa que vive por gosto, mas vive por obrigação.