imperfeito

sexta-feira, setembro 26, 2008

Utopia Carioca + Festa de Cosme e Damião (Companhia de Mystérios)

O Imperfeito, quase sempre, é um hino de louvor à minha cidade. Assim, por amá-la, só posso lhe desejar o maior dos bens. Não ficarei de fora. Estarei lá, como estarei no evento produzido pelo Projeto Gigantes pela própria Natureza, para comemorar o dia de Cosme e Damião.

Bonito é, quando bonito faz !

Vamos lá gente !!

Precisamos mesmo nos ENVOLVER com o Rio.
PARTICIPAR da vida de nossa cidade.
Nos ENGAJAR em causas e movimentos bacanas.
FAZER o que está ao nosso alcance.
ACREDITAR que fazemos diferença, SIM !

Um beijo, ANJA
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Queridos cariocas (da gema ou não!)

“Não me envolvo e nunca me envolvi com política”.

Essa sempre foi a frase dita por mim - orgulho e descrença se misturam nela.

Agora, depois de tantas eleições em que me acostumei a dizê-la e por repetir, de uma forma cômoda, que “não temos candidato”, comecei a rever isso tudo.

Percebi que me identifico com a proposta do Gabeira para esta cidade. Admiro sua postura, sua campanha silenciosa e limpa (em todos os sentidos), sua pessoa e, principalmente, seu descomprometimento com outros partidos.

Por isso, e motivado pela carta do Nelson Motta que vem circulando pela Internet, fiquei com vontade de me manifestar, acreditando numa possível mudança.

CONVOCAMOS A TODOS PARA UM ENCONTRO, UM APOIO PÚBLICO, UMA MANIFESTAÇÃO POSITIVA, ALEGRE, PACÍFICA E EDUCADA, COMO O PRÓPRIO GABEIRA DEFENDE.

NESTE SÁBADO 27,
ÀS 10:00 HORAS DA MANHÃ,
SAIREMOS DO ARPOADOR EM DIREÇÃO À COPACABANA!

(Skates, bicicletas e carrinhos de bebê são bem-vindos!).
Um bloco literalmente verde, formado por nós, pessoas públicas ou não, mas todos formadores de opinião e cariocas de alma.

Para isso, precisamos do apoio de vocês,
para nos ajudar na divulgação do evento.

Venham de verde e tragam seus instrumentos!

Obrigados !!!

Du Moscovis e Cynthia Howlett

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GABEIRA por Nelson Motta...

UTOPIA CARIOCA

RIO DE JANEIRO - Sempre que vejo na televisão a propaganda do TSE mandando a gente ficar de olho nos nossos eleitos, sinto um certo constrangimento e uma sensação de ridículo institucional. Mas também um estranho orgulho e um vago sabor de superioridade: há várias eleições voto no deputado Fernando Gabeira e nunca me decepcionei com seus votos, atitudes e atuação política, mesmo quando, às vezes, discordo de seus pontos de vista. Sua honestidade e inteligência são inquestionáveis.

É uma felicidade democrática ter alguém que realmente representa no Congresso o que você pensa e acredita. Isto também é quase ridículo, porque é uma exceção do que deveria ser a norma, como é em países civilizados. Mas fiquei ainda mais orgulhoso agora que ele impôs suas condições para ser o candidato da frente PV-PSDB-PPS à prefeitura do Rio de Janeiro.

Não pediu poderes ilimitados, nem caminhões de dinheiro, nem submissão dos partidos à sua vontade: exigiu uma campanha limpa, sem ataques pessoais, propositiva; divulgação pela Internet dos fundos e despesas da campanha, e o principal: caso eleito, que o secretariado seja escolhido por méritos e critérios profissionais e não partidários, sem o habitual loteamento como moeda de troca por apoio político. Ele não acha que só porque 'todos' fazem errado ele deve fazer também. É quase uma utopia. Mas se é a realidade em países civilizados, por que não, um dia, no Brasil?

Conhecido por sua trajetória dedicada aos direitos humanos, à ecologia, saúde, educação e cultura, com reconhecida capacidade de diálogo democrático e tolerância, sem concessões à ladroagem e à política-como- ela-é, o que ele propõe é o óbvio. Mas parece um sonho quase impossível.

O Rio de Janeiro merece esta esperança.

Nelson Motta


quarta-feira, setembro 24, 2008

Clarice Lispector, a Hora da Estrela


Quanta honra !!! Acabei de ganhar da Aninha (Ana Basaglia) e estou incluindo no post, super orgulhoso !!! Muitíssimo obrigado Aninha !!!

Clarice Lispector, A Hora da Estrela


Meninas e Meninos, da série eu vi. Ainda não havia encontrado tempo para falar, com a mínima dignidade e carinhos mais do que merecidos, da exposição Clarice Lispector, A Hora da Estrela, no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio.

Tive a sorte de conhecer Clarice, mas não vou falar sobre isto agora.

Agora é a vez da Exposição que é um primor, no nível do talento de Clarice e que reúne a competência maior de algumas pessoas queridas.

A Curadoria ficou com Julia Pelegrino e Ferreira Gullar.

O Design de Exposição é obra de Daniela Thomas e Felipe Tassara.

O Design Gráfico da Exposição é criação de Ana Basaglia (super parabéns Aninha, nota 1000 !).

Três salas na Exposição se destacam pela incrível criatividade, pela excelência da execução do conceito e da produção.

A sala dos “espelhos”, composta por uma estrutura central translúcida - na qual está, graficamente impresso, o roteiro das cidades nas quais Clarice viveu, em ordem temporal -, circundada por paredes negras, nas quais estão impressos alguns trechos de poemas, “refletidos” nas paredes opostas, sem correlação simétrica. O efeito obtido pela sugestão de espelhos, sem que eles realmente existam, nos remete imediatamente ao imaginário, à magia da poesia. E remetem ao universo de Clarice, cujos textos possuem riquezas de multi-interpretações, inclusive as mais simples e objetivas.

A segunda sala que se destaca é a aquela em que os poemas estão graficamente impressos nas paredes como se estas fossem os papeis numa máquina de datilografia. Quem já viu como funcionam estas máquinas sabe que a tinta de cada tipo é impressa sobre o papel pela compressão dos dedos sobre as teclas. Ou seja, a cada pressão das teclas forma-se no papel um imperceptível alto relevo. A genialidade dos artistas que “bolaram” esta sala está em ter criado a percepção de alto relevo pela solução gráfica em baixo relevo. Tem-se a exata sensação de que os trechos foram escritos em máquina de datilografia. Contudo, a técnica utilizada aplicou um grafismo não de alto, mas de baixo relevo. Uma genial, fantástica solução gráfica de “re-criação”.

A terceira sala em destaque é a que reproduz um enorme (até o teto) móvel com gavetas, desses que nossas avós tinham em casa. Um móvel para guardados, em que as gavetas que possuem chaves são aquelas que contém as lembranças, na maioria pessoais, de Clarice. É indescritivelmente delicioso permanecer algumas horas nesta sala lendo os conteúdos das gavetas. A sensação é ao mesmo tempo de reverência e de bisbilhotice. Clarice fica bem ao alcance de nossos olhos, na intimidade de seus papéis, artigos, cartas, dedicatórias, rascunhos, muitos deles de conteúdo bem pessoal.


Fica até domingo no CCBB, no Rio. Obrigatória !

sábado, setembro 20, 2008

FLAP 2008 (um sábado e tanto no Rio)

Sou filho da Puc. Lá, fiz o doutorado. Mantenho vínculos fortes com o seu Depto de Artes & Design. Tenho projetos em andamento com algumas de suas outras áreas, como Engenharia de Software. Sou mesmo filho da Puc e um amante inveterado, viciado, daquele manancial de geração de conhecimento.

Assim, foi com uma felicidade de garoto que fui hoje ao campus. Aquele campus que parece um jardim botânico. Suas árvores, em sua maioria, são catalogadas. Campus que recebe tours de visitantes que lá vão exclusivamente para conhecer suas árvores. Eis a foto da entrada:

Neste final de semana acontece a FLAP no campus da Puc-Rio.
Que tarde-noite maravilhosa !!! Uhuuuuu !!! Na abertura Viviane Mosé. Sabem quem é ? Psicoterapeuta, filósofa, com doutorado, fazendo pós-doc em breve, tudo isto numa mulher linda e poeta ! Viviane declamou 5 ou 6 poemas lindos. Poemas que tinham por temática a palavra.

Após declamá-los, Viviane foi compor uma mesa com Heloisa Buarque de Holanda (vou falar sobre ela à parte), Miguel Conde (jornalista de literatura de O Globo) e o jovem escritor Flávio Izhaki (autor do romance De Cabeça Baixa).

Viviane. Incrivel, como esta mulher com tantos talentos, tem a humildade de dizer que seus poemas - lindos - são apenas brincadeiras, que ela ainda está aprendendo a escrever poesia. "As pessoas andam escrevendo poesias sobre seus afetos e sentimentos, afastando-se da parte formal, das estruturas formais da poesia, da riqueza e dos rigores da linguagem", diz ela. E continua: "escrever apenas sobre afetos e sentimentos é fazer psicanálise, não é escrever poesias, porque poesias necessitam seguir estruturas formais e utilizar as riquezas da linguagem."

Puxa, quantas vezes vejo pessoas que podem ter talento se perderem por não entenderem que poesia não é derramar afeto e sentimento, poesia é muito mais. Derramar afeto e sentimento pode-se fazer em sessões de psicanálise, em conversas de botequim, em encontros e festas entre amigos. Poesia é muito mais do que isto. É saber trabalhar com a linguagem, empregá-la corretamente, conhecer os significados das palavras, conhecer as estruturas formais que diferem um soneto de uma poesia de versos livres. Conhecer os diversos formatos destas poesias, as suas diversas estruturas sonoras, gráficas, literárias, imagéticas, etc.

Viviane sempre que pode faz oficinas de poesia. A última aconteceu com o Carpinejar. Nesta, foi perguntado aos participantes que livros de poesia eles haviam lido. A maioria não havia lido livro algum. Poucos leram 1 livro e raríssimos 2 ou mais. Ou seja, tem gente se inscrevendo para fazer oficina de poesia sem ter lido livros de poesia, principalmente, lido Clarisse, Pessoa, Vinicius, Drummond, Bilac, Camões, etc. Pode ? Pode, é o efeito internet. Muita gente escrevendo sem se preocupar em ler, conhecer, pesquisar, entender...


Heloisa tem 70 anos, ou quase. É Professora Titular de Teoria Crítica da Cultura da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenadora do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC/UFRJ) e da Biblioteca Virtual de Estudos Culturais (Prossiga/CNPq). Mas parece um garotinha com muito, muito conhecimento. Ouví-la é uma benção ! Todo este saber é falado como se numa conversa de mesa de cozinha. Conversado de forma despojada, deliciosa, suave. Por umas 4 vezes ela falou em "preciso pesquisar isso". Deus, voces entendem o que é essa pessoa de tanto, tanto conhecimento, dizer eu preciso pesquisar isso ? Significa humildade, vida, talento, e uma enorme vontade de mais conhecimento. Sou fã de carteirinha dela. Luiz Peazê sintetiza o que penso dela:
"Se você não conhece Heloisa Buarque de Hollanda, entrevistá-la é como viajar num supersônico em pleno espaço aéreo onde navegam aeroplanos, tapetes voadores e máquinas do tempo. Se você a conhece, é como fazer piruetas num aeroplano de brinquedo tendo como pano de fundo um céu azul congestionado por vôos comerciais em pleno século XXI, bem atual."

Pois bem, Heloisa falou muito da literatura feita nas periferias, principalmente das grandes cidades, essa literatura feita a partir do RAP (Ritmo e Poesia). Esta literatura engajada dos tempos de hoje. Falou sobre os blogs também e deixou no ar tantas interrogações. Existe literatura e, principalmente, poesia nos blogs ? Pode-se chamar de literatura e poesia o que se está produzindo nos blogs ? Tanta gente escrevendo ! Qual será o futuro da literatura e da poesia dessa geração internet ? Muitas interrogações !

Flávio Izhaki trabalhou 2 anos na editora Record. Contou que pessoas procuravam a editora para publicar seus livros de poesia e quando, na entrevista costumeira, perguntados por quem os havia influenciado, a maioria não sabia responder. Pode ? Pode, a mesma história contada pela Viviane...
Depois teve uma mesa com o Claufe Rodrigues, o Eucanãa Ferraz (poeta e professor de Literatura da UFRJ - que papo !), Tanussi Cardoso e outros.

E para terminar, 6 hs após o início, um pequeno filme com Ferreira Gullar. Que sobremesa, com vinho do Porto e tudo !!!!

Conheçam Heloisa, Viviane, Eucanãa... http://flaprj.wordpress.com/participantes-2008/

quinta-feira, setembro 18, 2008

Blogagem Coletiva para Flavia + Ferreira Gullar + Elogio ao Amor

Flavia

Com bastante atraso, hoje é dia 18, motivado pelo excesso de trabalho, venho unir-me aos bons e exigir que se faça Justiça. Todos conhecem a história da Flavia. Ela sofreu sérios danos ao ter seus cabelos sugados pelo ralo da piscina do condomínio onde morava. A Justiça brasileira, caolha e vesga, lhe deu ganho de causa, mas não na mesma medida dos sofrimentos físicos e psicológicos que lhe foram impostos. Que se faça Justiça na medida exata, é isso apenas o que se pede.

Ferreira Gullar

um dos homens a que mais admiro fez aniversário no dia 10 de setembro. Meus Super Parabens, bem atrasados

Traduzir-se

Uma parte de mim é todo mundo
outra parte é ninguém
fundo sem fundo.

Uma parte de mim é multidão
outra parte
estranheza e solidão.

Uma parte de mim pesa, pondera
outra parte
delira.

Uma parte de mim almoça e janta
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim é permanente
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim é só vertigem
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte na outra parte
- que é uma questão de vida ou morte -
será arte?


ELOGIO AO AMOR - Miguel Esteves Cardoso in Expresso

"Quero fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá tudo bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.

Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?

O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade.

Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.

O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição.. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser.

O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.

Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir.

A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."

terça-feira, setembro 16, 2008

Meu coração...

MEU...
CORAÇÃO...
CHOVE...
CHOVE...
CHOVE...

sábado, setembro 13, 2008

Ensaio Sobre a Cegueira + Mamma Mia + entrevista de Walter Salles para a TPM

Ensaio Sobre a Cegueira

Meninas e Meninos, eu vi. Dois ótimos filmes, cada um à sua maneira. Ensaios Sobre a Cegueira, um excelente filme do Fernando Meireles, mais um, depois de Cidade de Deus e O Jardineiro Fiel. Meirelles anda se especializando em epidemias: Cidade de Deus, a epidemia da violencia, a epidemia das desigualdades sociais; Jardineiro, a epidemia dos efeitos da globalização, a epidemia das corporações; Cegueira a epidemia dos excluidos por deficiência, a epidemia moral. Todas estas epidemias estão aí, na nossa cara, todos os dias. O filme é muito denso, tem gente que não aguenta até o fim. É filme com cara de hollywood, mas muito melhor.

Ragazze e ragazzi, ho visto. Due grandi film, ciascuno a suo modo. "Ensaio Sobre a Cegueira", un ottimo film da Fernando Meireles, più uno, dopo "Cidade de Deus" e "O Jardineiro Fiel". Meirelles é stati specializzati in epidemie: Città di Dio, l'epidemia di violenza, l'epidemia di disuguaglianze sociali; Jardineiro, l'epidemia degli effetti della globalizzazione, l'epidemia di multinazionali; Ensaio esclusi dalla epidemia di disabilità, la epidemia morale. Tutte queste epidemie ci sono nella nostra faccia ogni giorno. Il film è molto denso, alcune gente non guardo fino alla fine. É un film con il volto di hollywood, ma molto meglio.





Mamma Mia

Depois fui ver Mamma Mia. Um filme deliciosissimo. Não vou falar nada sobre, simplesmentes não percam.



Uma coisa curiosa. Nesses 3 filmes que vi recentemente as mulheres brilham. Em Linha de Passe, Sandra Corveloni mais do que mereceu o premio em Cannes. Em Cegueira, a Julianne Moore tem uma atuação fantástica. E em Mamma Mia, Meryl Streep arrasa. Aliás, em Mamma as atrizes principais mais velhas estão ótimas. E ainda tem a Daniela Thomas co-dirigindo com o Waltinho o Linha de Passe, que tem o dedo dela, e que dedo !

Deus abençoe essas mulheres tão talentosas !!!

Walter Salles, porque o admiro

Minha admiração não reside apenas no cineasta, mas na pessoa. Imagino o que seja para um cara que nasceu filho de banqueiro pegar estrada pelos seus próprios pés, dar passos definitivos em direção ao seu destino próprio (escolhido por ele), ultrapassar todas as barreiras (inclusive as da influência da sua origem), abordar os temas do Brasil de verdade (o menos favorecido) e tornar-se um dos melhores cineastas do mundo. Que trajetória ! Digna de um campeão mundial !

Eis aí uma entrevista sua para a TPM, muito bem conduzida pela competente jornalista Renata Leão.
Site: http://revistatpm.uol.com.br/80/vermelhas/home.htm

Tenham fôlego para ler, vale a pena.

Tpm. Por que você fez questão de me dar esta entrevista por e-mail?

Walter Salles. Pra você não chegar ao fim e pensar: “Que puta decepção”. Sou daqueles que precisam de tempo para pensar. Desse jeito, você pode achar um pouco menos chato, mas só um pouquinho.

Tpm. Não acha que, assim, a coisa perde a espontaneidade?

Mmhhhh... vamos chegar ao fim, depois você diz.

Tpm. Daniela Thomas, sua amiga há 15 anos e editora convidada desta edição da Tpm, me disse que você está cada vez mais avesso a entrevistas. É verdade?

O Tim Maia dizia: “Parei de beber, parei de fumar, parei de cheirar, mas ainda minto um pouquinho”. Pois bem: Daniela parou de fumar, não cheira, bebe um pouquinho, mas nunca mente. Ou seja: se ela disse isso, deve ser verdade.

Tpm. Você se incomoda com as deturpações que a mídia vez ou outra faz do que você fala?

Nada, já estou vacinado. Cannes é um bom exemplo: você participa de 20 mesas redondas por dia, cada uma com uns 10, 12 jornalistas. Sempre fui péssimo de matemática, mas dá mais de 100 entrevistas por dia. Vão todas sair de forma diferente, e é normal que seja assim. Depende do olhar de cada um.

Tpm. E quando a mídia enfatiza o “herdeiro do Unibanco” para noticiar seus feitos no cinema, muitas vezes em tom provocativo? Isso te deixa puto?

Quando você tem 20 anos e está começando na tua profissão, é algo previsível. Três décadas depois, essa mesma pergunta ou relação fala mais de quem a faz do que de mim. Mas tem uma história legal sobre isso, que aconteceu com a família Guevara na época de Diários de Motocicleta. Quando estive pela primeira vez com eles em Cuba, a viúva e os filhos de Ernesto Guevara sabiam muito bem de onde eu vinha, mas são cinéfilos e preferiram me julgar pelos filmes que eu dirigi, como Central do Brasil. Tiveram confiança, nunca me pediram para ver uma página do roteiro sobre o marido e o pai deles. E eu procurei corresponder a essa confiança. Estabelecemos uma relação de amizade que dura até hoje.

Tpm. Seus irmãos são muito reservados. O João eu até já entrevistei e ele é muito na dele. Você é, digamos assim, o mais “aberto” da família?

Não. Apenas o mais insensato.

Tpm. Numa entrevista à Trip, o jornalista Marcelo Tas disse: “O Brasil só vai ser um país decente quando o João Moreira Salles fizer um documentário sobre bancos”. Por que as pessoas se incomodam tanto com o fato de pessoas ricas saírem de seus mundos para retratar outros mundos?

Pra início de conversa, sou fã do Tas. Agora, se a gente aceitasse a tese, não existiria a obra-prima do cinema neo-realista que é Rocco e Seus Irmãos, porque um filme sobre a classe operária não poderia ser feito por um aristocrata como [o italiano Luchino] Visconti. E Pierre Verger não teria fotografado na África e na Bahia. Deveria ter ficado retratando o seu meio, que era a alta burguesia francesa. E assim iríamos: cada classe olhando para si mesma, ad eternum. Prefiro achar o contrário, que a gente só existe e se complementa na diferença, nos outros. Como no sexo. Um movimento artístico que olha para seu próprio umbigo tem nome: rococó. Há quem goste. Eu não. Agora, é evidente que o leque temático do cinema brasileiro tem que se alargar. O cinema da retomada falou daqueles universos que a TV não mostrava nos anos 90. Tá feito, e chegou a hora de olhar para outros cantos.

Tpm. A Daniela me contou que você tem um verdadeiro prazer em se meter em lugares como lan houses, igrejas evangélicas e botecos da periferia. Isso é mesmo um prazer pra você?

É isso aí: sou muito mais atraído pelo que eu ainda não conheço do que pelo que já conheço. E a Daniela também. É o ponto de interseção que nos permite trabalhar juntos.

Tpm. Fazer filmes sobre a periferia é uma maneira de investigar um mundo que você não conhece, ou pelo menos não conhecia antes de ser cineasta?

Vou te contar uma história: conheci a Central do Brasil fazendo um documentário sobre [o artista plástico carioca] Rubens Gerchman. Foi ele quem me levou lá pela primeira vez. Anos depois, filmei Central do Brasil. Quando o filme saiu, um homem de seus 70 e poucos anos me parou na rua e disse: “Você fez uma bela homenagem à sua mãe nesse filme. Eu trabalhei com ela na Central do Brasil”. Como minha mãe [Elisa Gonçalves, segunda esposa de seu pai] já tinha morrido, fui perguntar sobre isso para uma tia. E minha mãe tinha mesmo trabalhado dois anos como secretária na Central, logo que chegou do interior de Minas, aos 18 anos de idade. No mesmo lugar em que eu filmei 40 anos mais tarde. Só fui saber disso depois de fazer o filme. Tudo isso para te dizer que mundos aparentemente distantes são às vezes bem mais próximos do que se pensa.

Tpm. Linha de Passe é sobre o psicológico dos quatro irmãos, daquela família que gira em torno de uma figura feminina: a mãe. Onde você se inspirou pra construir essa mãe?

Algumas idéias de filme nascem de forma límpida, como foi o caso de Central. Outras, por acumulação, como em Terra Estrangeira. Geralmente, lanço uma idéia e a Daniela melhora 100 vezes aquele ponto de partida. A mãe de Linha era, desde a largada, o esteio moral do filme, a mãe e o pai daquela família. Mas as tintas, os meios tons, foram dadas por Daniela e [o roteirista] George Moura. E Sandra [Corveloni, que faz a mãe] ampliou lindamente o sinal, com a ajuda da [preparadora de elenco] Fátima Toledo, que é uma craque...

Tpm. A mãe do filme é uma figura que faz com que os filhos voltem para um certo eixo quando ameaçam sair dele. Você acredita que as mães funcionam como esse “centro” em algumas famílias?

Sim, conheço e convivo com mães assim. Mas não se deve romantizá-las também... Não é à toa que a mãe de Linha de Passe fuma, bebe e é alegrinha. Está com mais um filho na barriga, de pai desconhecido.

Tpm. Como era sua relação com a sua mãe?

Conflituosa. A gente se gostava, mas sem saber como.

Tpm. Quantos anos você tinha quando ela morreu?

Vamos fazer as contas... 1988... 32 anos. Essa morte deixou alguma marca sutil, ou forte, em você, na sua personalidade? Boa pergunta para uma psicanalista. Vivi com uma, muito inteligente, por 15 anos. E, como era lacaniana, conta por dois. Trinta.

Tpm. Você cresceu com três irmãos. Acha que teria sido diferente se tivesse tido três irmãs, ou pelo menos crescido com uma menina?

É difícil falar daquilo que não se viveu. Mas uma coisa é certa: teríamos nos estapeado um pouco menos...

Tpm. Você e o João são artistas – você mesmo já o definiu, numa entrevista que deu à Trip, como “o intelectual da família”. Como é seu relacionamento com os outros dois?

Eles são tão intelectualizados quanto o João. A relação que temos é próxima, pelos muitos assuntos que temos em comum e pelo afeto mútuo.

Tpm. É verdade que você é completamente louco pelos seus cachorros?

Réu confesso: adoro cachorros, há algo neles que restabelece o equilíbrio com o mundo. E tenho dificuldade de viver longe deles, agora que saí de um canto perdido da floresta da Tijuca, no Rio, e passei a viver em apartamento. Meu sonho, aliás, é sair da cidade. Não sou muito urbano.

Tpm. O que a paternidade mudou em você?

Tudo. Você conhece a única forma de amor no mundo que é incondicional. E o resto deixa de ter importância. Cinema era minha paixão maior, a prioridade. Não é mais.

Tpm. Você consegue me explicar que sentimento é esse que rola de pai para filho?

Novamente, é algo que não cabe em palavras. Você entra em contato com a possibilidade de uma inocência que parecia perdida. E assiste a tantas coisas fascinantes, uma personalidade que se forma, a descoberta da linguagem. Isso acaba te afetando, te transformando, não tem fim...

Tpm. Como foi ver sua mulher engravidar e parir?

Muita gente diz que o relacionamento amadurece muito depois de um nascimento... Bem, pra começar, não sei se sou lá muito maduro... a paternidade não foi uma conquista fácil, sempre achei que minha profissão era de tal forma nômade que essa possibilidade não cabia na minha vida. Maria [Klabin, esposa de Walter] mudou minha percepção, e o presente que ela me deu foi o maior que já recebi – e o parto, inesquecível. Nem ela nem eu quisemos saber o sexo, preferimos guardar o mistério até o fim. E fiz questão de não fotografar ou filmar o nascimento do Vicente. Você sabe, a gente guarda melhor aquilo que não pode ser reproduzido.

Tpm. Em Linha de Passe, as cenas em que a mãe está em trabalho de parto são fortes. De onde você tirou inspiração pra dirigi-la nessa hora?

Daniela é a maior responsável. Além do mais, é reincidente no assunto...

Tpm. Como foi estar em Cannes e ver a Sandra receber o prêmio de Melhor Atriz sem ela estar lá?

Um misto de alegria, por ela e pelo filme, e de tristeza, por ela não poder estar presente... mexeu muito com Daniela e comigo. Só que a Dani conseguiu falar algo no palco, e eu fiquei atônito. Mais uma vantagem da co-direção...

Tpm. A Sandra perdeu o bebê às vésperas do festival – e no filme está o tempo todo com aquele barrigão que mexe com toda a trama. Como foi receber essa notícia?

Sempre achei que somos infinitamente pequenos para conseguir entender a ordem, ou desordem, do mundo... Esse é mais um caso. Sou incapaz de explicar essa co-relação. Prefiro nem tentar.

Tpm. O Walter Salles é um cara que se emociona?

Você já viu o fim de Central ou de Diários? Tento traduzir aquilo que sinto, sem filtros, na tela. Nesse caso, não me interessa o distanciamento, acho que é mais honesto se expressar dessa forma. Até porque a elevação do cinismo como valor contemporâneo no cinema pós-Tarantino me incomoda. Quando trabalho com a Daniela, essa expressão se torna mais seca, e é bom que seja assim. Se bem que o final de Terra não é exatamente contido...

Tpm. Quem é a sua mulher?

Maria, mãe de Vicente, artista plástica talentosa. Mas o que talvez melhor exprima a Maria é sua integridade e sua capacidade de ver antes.

Tpm. O que significa, para você, o casamento?

A pergunta mais difícil que você me fez. Não quer repetir a do Unibanco?

Tpm. Que importância tem o ritual de acordar todos os dias ao lado da mesma pessoa?

É algo que precisa ser constantemente reinventado. Não sei quem disse que o amor é uma questão de física, e o casamento de química. Pensando bem, é uma frase péssima, o cara devia ter ficado calado.

Tpm. Você é um homem bonito e tido pelas mulheres como um galã. Como é saber que te vêem assim?

Chegou a hora de voltar para a pergunta do Marcelo Tas.

Tpm. Você se sente um galã?

O termo é divertido, meio anacrônico, que nem “galocha”. Galã lembra o Tarcísio Meira, não acha? Galã de Os Irmãos Coragem... Anos 70.

Tpm. Rico, inteligente, famoso e bonito. Muitos adjetivos respeitáveis para uma pessoa só. Alguma vez isso deixou de ser vantagem e se tornou um problema?

Vou te contar uma história. Central tinha acabado de ganhar Berlim e cheguei à Argentina para fazer parte de um seminário no festival de Buenos Aires. Na saída do hotel, uma menina de 18 anos me pára na rua e diz: “Seu filme mudou minha vida”, e desanda a chorar. E entre uma lágrima e outra, arrematou: “Muchas gracias, Todd Haynes”. Ou seja, tudo na vida é relativo. Parênteses: o filme que tinha mudado a vida dela era sobre o glam rock dos anos 70.

Tpm. Quais são as qualidades mais nobres que uma mulher pode ter?

Não se esforçar para ter “qualidades nobres”.

Tpm. Você convive num meio em que a mulherada faz qualquer coisa para aparecer. Onde acha que as mulheres se perderam com essa busca eufórica pela fama?

Não vamos botar a culpa nas mulheres. Os homens também se casam e se divorciam na capa da Caras. Como diz um amigo da Daniela, estamos vivendo a era da evasão de privacidade. Invasão é coisa do passado. Hoje, esse desvendamento é consentido, buscado a qualquer custo. O custo, aliás, geralmente é o do Botox.

Tpm. Falando em Botox, como vê essa obsessão pela imagem, pela magreza e pelo não-envelhecimento das mulheres hoje em dia?

Novamente, os homens são co-responsáveis desse estado de coisas. Daqui a pouco, vai ser difícil encontrar atores de idade que possam participar de um filme de época. Eu tendo a achar que não há nada mais atraente do que ruga, a sensação de que o tempo foi vivido plenamente...Sabemos que não são só as mulheres abastadas que torram dinheiro com estética.

Tpm. Como você – que andou tanto pela periferia em seus trabalhos – explica o fato de uma mulher se endividar para fazer cirurgias plásticas ou comprar produtos de beleza pelos quais não pode pagar?

Interessante, meu amigo Jonathan Nossiter, que dirigiu o ótimo documentário Mondovino, está fazendo um filme justamente sobre isso. Mas o que está acontecendo é previsível. A imposição de um padrão de beleza é de tal forma avassaladora que ela acaba permeando todas as classes sociais. É algo ditatorial: você só existe se couber nesse padrão.

Tpm. Como se formou o Walter Salles de hoje? Quem foram as grandes pessoas da sua vida?

Prefiro falar de um cara, que é o [artista plástico polonês] Frans Krajcberg. Foi ele quem me deu um norte, quem me permitiu entender quem eu era e como melhor me expressar, meus territórios de eleição. Fizemos um documentário juntos, Socorro Nobre. Tem um antes e depois disso. Como nascemos no mesmo dia do ano, chamo o Kraj de meu irmão mais novo. Mais novo porque é o mais radical de todos (parenteses meu: Krajberg é um fantástico artista, escultor em madeira, polones que ama nossa terra, que vive no Brasil desde 1948, portanto, bem mais velho do que o Waltinho).

Tpm. O Linha de Passe traz elementos de duas grandes paixões do brasileiro: o futebol e a religião. Pra você, eles têm algum significado?

Com o futebol, eu convivo desde criança, no início dos anos 60, quando ouvia os jogos de Garrincha no rádio. Depois virei um fanático do estádio, mas essa função quem assumiu foi o João. O futebol é aquilo que nos traduz. E, como um treinador diz no filme, nos dá leis que são respeitadas, ao contrário do que acontece no asfalto – e em Brasília. Já com a religião tenho uma relação conflituosa. Tive experiências traumáticas num colégio jesuíta, quando era criança, na França. Me rebelei, saí dali, nunca mais pisei num colégio religioso. Portanto, tenho que passar por cima de preconceitos para conseguir filmar esses mundos sem julgá-los. Foi isso, aliás, que os documentários do João e do Arthur Fontes nos ensinaram a fazer. Um ator nunca deve julgar um personagem. Um diretor nunca deve julgar o mundo que ele está retratando.

Tpm. Você tem alguma crença religiosa, no sentido literal da palavra: re-ligar?

Boa pergunta. Gostaria de responder que sim. Então, sim, digamos que tenho alguma esperança nesse sentido.

Tpm. Onde e como extravasa suas tristezas, angústias e dias de fúrias?

No esporte. E tento me reequilibrar no contato com o mar. Agora, um filho também ajuda nisso, a ficar um pouco mais calmo, no sentido de que o entorno perde sua capacidade de te estressar.

Tpm. O Walter Salles tem dias de fúria? Se sim, me descreva um.

Já se foi o tempo... taí, tô precisando ter um.

Tpm. Você fez ou faz terapia? O que pensa sobre?

Niet... mas sou a favor. Tenho muitos amigos psi. A maioria pessimamente analisada.

Tpm. Você tem fama de ser um cara muito perfeccionista com você mesmo e com quem está à sua volta. De onde vem isso?

Isso talvez venha do esporte, feito em nível competitivo. A grande luta é contigo mesmo, não com os outros. E alguns esportes também te ensinam que só se avança no coletivo. Nesse sentido, cinema e futebol são parecidos.

Tpm. O que aprendeu sobre mulher e comportamento feminino com a Daniela?

O Truffaut dizia: “Quanto mais conheço os homens, mais gosto das mulheres”. Concordo com ele. Não acredito em muitas coisas, mas acredito nessa fonte inesgotável que é a sensibilidade feminina. Não foi só Daniela quem me ensinou isso – mas que ela ajudou, ajudou.

Tpm. Dividir a direção dos filmes com uma mulher é...

Inspirador. É o que me dá o oxigênio para fazer as viagens solo... cinema é um troço muito solitário, a angústia do goleiro na hora do pênalti. É bom você sair pleno de um filme antes de entrar num outro.

Tpm. Como é passar horas, meses, anos, dividindo seus trabalhos mais bacanas com uma mulher?

Uma delícia. Tem algo melhor do que ser salvo por alguém mais inteligente do que a gente?

Sonho Feliz de Cidade + Linha de Passe, um filmaço (Happy Dream of City + "Linha de Passe", an excellent film)

O meu Rio querido

Esse é o Rio que eu amo. Algumas vezes postei fotos da Roda de Samba da pracinha em Laranjeiras. Agora posto uma matéria que saiu no O Globo de ontem sobre o chorinho que rola cada domingo na mesma pracinha, organizado pelos mesmos meus amigos que produzem a Roda. Lá sinto-me em casa, literalmente. Além de curtir a amizade que não tem preço, preencho minha vida com o que de melhor tem na música brasleira. Tudo isso num clima tipicamente carioca, essa minha terra querida. Leiam e divirtam-se, mesmo que de longe. Acho que não dá para ler, quem quiser a matéria me peça que envio por email.

The Rio that I love

This is the Rio de Janeiro that i love. Sometimes I posted photos of the "Roda de Samba - Samba Meeting" at one small square in Laranjeiras. Now I´m putting a subject published in O Globo newspaper yesterday on the "chorinho" (a typical Brazilian music) that occurs each Sunday in the same small square, organized by the same friends of mine who produce the "Roda de Samba". There I am at home, literally. In addition I enjoy the friendship and I put the best Brazilian music in my life. All this in a typical Rio climate, my beloved land.







Linha de Passe (um filmaço), não percam.

"Linha de Passe" watch this movie, one of the best Brazilian movies of all the times.


Não há dúvida alguma de que Walter Salles é um excelente cineasta. Mas, Linha de Passe tem muito do dedo de Daniela Thomas. Daniela é muito competente, criativa e tem uma sensibilidade impar. Ela é parceira de Walter desde Terra Estrangeira (1995). Em sua longa e muito bem sucedida carreira, foi artista residente do La Mama Experimental Theater, de NY. Estudou cinema com Steven Bernstein, em Londres. Escreveu, dirigiu e foi cenógrafa em inúmeras peças de teatro, com inúmeros prêmios nacionais e internacionais. É filha do Ziraldo, quase cinquentona, usa oclinhos e está longe dos padrões de beleza impostos pelas hollywoods e globos da vida. Como é competente essa menina! E é linda. Todos os aplausos para Daniela !



Watch the video and press kit:
http://www.festival-cannes.fr/en/archives/dossierPresse/id/10803067.html

quarta-feira, setembro 10, 2008

Coisas de Deus, coisas do homem...

Sou designer de produto e trabalho num instituto de tecnologia, isso significa que ando ali, na beiradinha da ciencia e da tecnologia do primeiro mundo. Dizem que sou pesquisador, um cientista, tambem. Todos os dias me deslumbro com os avanços da ciencia e da tecnologia que chegam até mim. Estamos aqui, no Brasil, no mesmo nivel dos paises desenvolvidos e, em alguns casos, na frente. Então, um pouquinho de ciencia para voces. Mas, olha, curto a night, a natureza, o mar, as montanhas, o belo, o sensivel, o amor, o afeto, o vinho, o sexo, a musica, o cinema, pudim de leite, vou trabalhar de calça jeans e camisa polo, essas coisas, graças a Deus, bem humanas...

sexta-feira, setembro 05, 2008

O Jogo da Carona

O conto "O Jogo da Carona", que está no livro Risíveis Amores, do escritor Milan Kundera é para mim uma obra-prima. O conto é perfeito em tudo. Milan é autor de um livro bastante conhecido "A Insustentável Leveza do Ser", que originou um premiado filme dirigido por Philip Kaufman, tendo Daniel Day-Lewis e Juliette Binoche como atores . Curtam o conto:

O Jogo da Carona

1
A agulha do mostrador de gasolina oscilou bruscamente em direção ao zero e o jovem motorista comentou que era espantoso o quanto aquele conversível bebia. - Desde que não fiquemos sem gasolina como da última vez – observou a moça ( de mais ou menos vintes e dois anos), lembrando os vários lugares e que essa desgraça já acontecera. O rapaz disse-lhe que não se importava, pois tudo que lhe acontecia em sua companhia tinha sabor de aventura. A moça não era da mesma opinião: quando ficavam sem gasolina no meio da estrada, a aventura era só para ela, pois ele se escondia e ela tinha que usar e abusar de seu encanto feminino: fazer parar um carro, ser levada até o posto de gasolina mais próximo, depois parar outro carro e voltar com um galão. O rapaz comentou que os motoristas que a apanhavam deviam ser bem antipáticos para que ela se queixasse assim de sua missão. A moça respondeu (com um coquetismo desajeitado) que algumas vezes eles eram bem simpáticos, mas que ela pouco podia aproveitar, ocupada em carregar o galão, e obrigar a deixa-los sem tempo de levar a conversa adiante.

- Monstro! – disse ele. Ela replicou que monstro, se houvesse, seria ele. Deus sabe quantas moças o faziam parar nas estradas quando ele estava sozinho! Continuando a dirigir, ele a abraçou e deu-lhe um beijo na testa. Sabia que ela o amava e que era muito ciumenta. O ciúme não pe um traço de caráter muito simpático, mas se tomarmos cuidado para não abusar dele (se vem acompanhado de recato), ele tem, apesar de todos os inconvenientes , qualquer coisa de comovente. Pelo ou menos ele achava assim. Tendo apenas vinte e oito anos, achava-se velho e imaginava conhecer das mulheres tudo que um homem pode conhecer. O que apreciava na moça sentada a seu lado era justamente aquilo que achava mais raro encontrar nas mulheres: a pureza.

A agulha do mostrador já estava em cima do zero quando viu à direita da estrada uma placa indicando que havia um posto a quinhentos metros. Logo que a viu, ela sentiu-se aliviada. Ele colocou a seta para esquerda e subiu no calçamento diante das bombas de gasolina. Mas um enorme caminhão se enchia por meio de uma grossa mangueira. - Chegamos em má hora – disse ele ao descer. - Vai demorar muito? – perguntou ao homem do posto. - Um minuto! - Eu conheço bem esse minuto. Quis sentar-se de novo no carro mas constatou que a moça descera pela outra porta. -Desculpe! – disse ela - Aonde vai? – perguntou ele propositalmente, para desconcerta-la. Conheciam-se há um ano, mas ela ainda conseguia enrubescer na frente dele e ele gostava muito de seus momentos de pudor, (primeiro, porque isso a diferenciava das mulheres que conhecera antes dela, e segundo, porque conhecia a lei universal da fugacidade que lhe tornava precioso até mesmo o pudor de sua amiga.)

2
A moça detestava ser obrigada a lhe pedir (ele muitas vezes dirigia durante horas, sem interrupção) que parasse diante de um arvoredo. Ela sempre se irritava com a surpresa fingida com que ele lhe perguntava por quê. Ela sabia que seu pudor era ridículo e fora de moda. Em seu trabalho, constatara muitas vezes que caçoavam dela, e a provocavam de propósito por causa de sua decência. Ela sempre enrubescia por antecipação diante da idéia de que iria enrubescer. Muitas vezes desejava sentir-se livre, despreocupada, à vontade em seu próprio corpo, como sabia que era a maioria das mulheres com quem convivia. Até mesmo inventara, para seu uso próprio, um método original de autopersuasão: repetia para si mesma que todo ser humano recebe ao nascer um corpo entre milhões de outros corpos prontos para o uso, como se lhe fosse atribuída morada semelhante a milhões de outras num imenso prédio; que o corpo é, portanto, uma coisa fortuita e impessoal, nada mais do que um artigo de empréstimo e de confecção. Eis o que repetia para si mesma com todas as variações possíveis, tentando inutilmente inculcar em si essa maneira de sentir. Esse dualismo da alma e do corpo lhe era estranho. Ela se confundia muito com seu corpo para não senti-lo com angústia. Essa angústia, ela a sentia até mesmo ao lado do rapaz; ela o conhecia há um ano e estava feliz, sem dúvida porque ele nunca distinguia entre seu corpo e sua alma, de maneira que, com ele, podia viver corpo e alma. A felicidade vinha dessa ausência de dualidade, mas como a desconfiança vive perto da felicidade, ela também estava cheia de desconfianças. Por exemplo, muitas vezes ela pensava que havia outras mulheres mais sedutoras (essas não sentiam angústia) e que seu amigo, que conhecia esse tipo de mulher e não disfarçava isso, um dia a deixaria por uma delas. (É claro que ele dizia já ter conhecido esse tipo de mulher em número suficiente para o resto de seus dias, mas ela sabia que ele era mais jovem do que pensava). Ela o queria inteiramente para si e queria ser inteiramente dele, mas quando mais se esforçava para lhe dar tudo, mais tinha a sensação de lhe recusar, aquilo que proporciona um amor pouco profundo e superficial, aquilo que proporciona um flerte Ela se censurava por não saber conciliar a seriedade com a leveza. Naquele dia, porém, não se atormentava e não pensava em nada. Sentia-se bem. Era o primeiro dia de férias de ambos(quinze dias que durante o ano inteiro tinham sido o ponto de convergência de seus desejos), o céu estava azul (durante o ano inteiro ela perguntara a si mesma com ansiedade, se o céu seria realmente azul) e ele estava com ela. Depois do “Aonde vai você?”, ficou vermelha e saiu correndo sem dizer uma palavra. Contornou o posto, que ficava num descampado à beira da estrada; uns cem metros (na direção que deveriam retomar em seguida) começava uma floresta. Correu para lá e, entregando-se a uma sensação de bem-estar, desapareceu atrás da moita. (Apesar da alegria que proporciona a presença do ser amado, é preciso estar só para senti-la em sua plenitude). Depois saiu da floresta e retornou a estrada; do lugar onde se encontrava, podia-se enxergar o posto. O enorme caminhão-tanque já havia partido. O conversível avançou para a coluna vermelha da bomba de gasolina. Ela caminhava ao longo da estrada, virando-se apenas de vez em quando para ver se ele chegava. Por fim o avistou. Parou e começou a fazer sinais, como alguém que pede uma carona a um carro desconhecido. O conversível freou e parou bem ao lado dela. O rapaz inclinou-se para o vidro, abaixou-o, sorriu e - Para onde a senhorita está indo? – perguntou. -Está indo para Bystrica? – perguntou ela por sua vez com um sorriso sedutor. - Por favor, suba – disse ele abrindo a porta. Ela entrou e o carro seguiu em frente

3
O rapaz ficava sempre contente ao vê-la de bom humor; isso não acontecia com freqüência; o trabalho dela era muito duro (ambiente desagradável, muitas horas extras, sem compensação) e tinha uma mãe doente em casa; quase sempre cansada, não possuía nervos fortes e sentia-se insegura; sucumbia facilmente ao medo e à angústia. Por isso ele acolhia toda demonstração de alegria que partisse dela com a terna atenção de um irmão mais velho. Sorriu-lhe e disse: - Hoje estou com sorte. Há cinco anos que dirijo e nunca dei carona a uma moça tão bonita. A moça recebia com gratidão o menor elogia de seu amigo. Para conservar um pouco o entusiasmo, ela disse:

- Você sabe mentir bem.

-Tenho cara de mentiroso?-Tem cara de quem gosta de mentir para as mulheres – disse ela, e um pouco de sua velha angústia apareceu automaticamente nessas palavras, pois acreditava realmente que seu amigo gostava de mentir para as mulheres.

Em geral ele se irritava com os acessos de ciúme de sua amiga, mas naquele dia foi fácil não dar importância ao fato, pois aquela frase não se dirigia a ele, mas a um chofer desconhecido. Contentou-se com uma pergunta banal:- Isso a incomoda?

-Se eu fosse sua namorada me incomodaria- disse ela e isso era uma sutil lição de moral para o rapaz; mas o final da frase era dirigido a um chofer estranho. –Isso não me incomoda, pois não o conheço.

-Uma mulher sempre perdoa mais facilmente a um estranho do que a um namorado. (Isso era uma lição de moral sutil que, por sua vez, ele dirigia à moça). -Logo, podemos nos entender muito bem, pois somos estranhos um ao outro.

Ela fingiu não perceber a nuança didática subentendida nessa observação e decidiu dirigir-se apenas ao chofer desconhecido.-Para que isso, se vamos nos separar daqui a pouco ?

-Por quê? -perguntou ele.
-Você sabe muito bem que vou descer em Bystrica.
-E se eu descer com você?

Diante dessas palavras ela levantou os olhos para o rapaz e constatou que ele era exatamente como imaginava nos momentos do mais agudo ciúme; assustou-se com a sedução que ele usava para envolvê-la (à moça desconhecida da carona em que ela se transformara) e que lhe caía tão bem. Replicou então com insolência provocante:

-Fico pensando o que você faria comigo!
-Não teria que pensar muito para saber o que fazer com uma moça tão bonita – disse ele galanteamente, e ainda dessa vez, dirigia-se muito mais à moça do que à personagem da carona.

Essas palavras elogiosas foram como se ela o tivesse apanhado em flagrante delito, como uma confissão arrancada por hábil subterfúgio; sentiu-se tomada por um brusco e rápido movimento de cólera e disse: -Você confunde seus desejos com a realidade!

Ele a observava: o rosto teimoso da moça estava crispado; sentiu por ela uma estranha piedade e desejou voltar a encontrar seu olhar habitual, familiar(que ele considerava simples e infantil); inclinou-se para ela, pronunciou docemente seu nome.

Mas ela se desvencilhou e disse :-Acho que você está indo muito depressa!

-Desculpe, senhorita – disse ele desconcertado. Depois fixou os olhos na estrada, sem dizer nada.

4
Mas a moça desistiu desse ciúme tão depressa quanto nele caíra. Tinha bom senso suficiente para saber que tudo não passava de um jogo; achava-se até mesmo um pouco ridícula por tê-lo repelido num movimento de ciúme;esperava que ele não tivesse percebido. Felizmente ela possuía a faculdade milagrosa de modificar logo em seguida o sentido dos seus atos e resolveu que não o repelira por ressentimento mas apenas para continuar o jogo, cuja leveza convinha tão bem a um primeiro dia de férias.

Portanto, ela era mais uma vez a moça da carona que acabara de repelir o chofer muito atrevido, mas apenas para atrasar a conquista e torna-la ainda mais saborosa. Voltou-se ligeiramente para ele e disse com voz carinhosa:- Não queria magoá-lo senhor.

- Desculpe, não vou mais tocar em você - disse ele.

Ele ficou zangado porque ela não o compreendera e se recusara a ser ela mesma no momento em que ele o desejara; e já que ela insistia em conservar a máscara, ele transferiu a raiva para a carona desconhecida que ela representava; nesse momento descobriu o personagem do seu papel: desistiu dos elogios que eram uma forma disfarçada de agradar à amiga e pôs-se a representar o homem duro que, em suas relações com as mulheres, acentua os aspectos mais brutais da virilidade: a vontade, o cinismo, a segurança.

Esse papel estava em contradição total com a terna solicitude que sentia por ela; é verdade que antes de conhece-la tinha se mostrado menos delicado com as mulheres, mas mesmo então não tinha nada do homem duro e satânico, pois não se caracterizava nem pela força de vontade nem pl]ela ausência de escrúpulos. No entanto, se não se assemelhava a esse tipo de homem, por isso mesmo desejara parecer-se com ele. Certamente é um desejo bastante ingênuo, mas o que fazer, se os desejos pueris escapam a todas as armadilhas do espírito adulto e às vezes sobrevivem até a mais longínqua velhice. E esse desejo pueril aproveitou a oportunidade para encarnar o papel que lhe era proposto.

A superioridade sarcástica do chofer convinha à moça: liberava-a de si mesma. Pois ela mesma era, antes de tudo, o ciúme. A partir do momento em que seu amigo deixou de exibir seus talentos de sedutor para mostrar apenas o rosto fechado, o ciúme se aplacou. Ela podia esquecer de si mesma e entregar-se ao seu papel.

Seu papel? Qual? Um papel extraído de má literatura. Ela havia parado o carro, não para ir aqui ou ali, mas para seduzir o homem sentado ao volante; a moça da carona não era senão uma vil sedutora que sabia usar admiravelmente seus encantos. E entrou na pele desse ridículo personagem de romance com uma facilidade que a surpreendeu e a encantou. Foi assim que ficaram um ao lado do outro: um chofer desconhecido e uma carona desconhecida.

5
O que o rapaz mais lamentava não ter encontrado na vida era a despreocupação.A estrada de sua vida era traçada com o mais implacável rigor. O trabalho não se limitava a absorver-lhe oito horas diárias; impregnava o resto do seu dia com o tédio obrigatório das reuniões e dos estudos em casa, e invadia sua escassa vida privada, que nunca ficava preservada e que muitas vezes fora alvo de comentários e discussões públicas; pairavam sobre ele os olhares de inúmeros colegas, homens e mulheres. Até mesmo as duas semanas de férias não traziam nenhuma sensação de libertação e de aventura; também se estendia sobre elas a sombra cinzenta de um rigoroso planejamento. Por causa da escassez de alojamentos para férias, ele fora obrigado a reservar com seis meses de antecedência um quarto nos Tatras, e para isso fora necessária uma recomendação do Comitê Sindical da empresa em que trabalhava, cujo espírito onipresente não parava de seguir seus gestos e seus atos.

Havia acabado por aceitar tudo isso, afinal, mas às vezes tinha a horrível visão de uma estrada em que era perseguido sob os olhos de todos, sem nunca poder se desviar. Precisamente nesse momento essa visão apareceu e a estrada imaginária confundiu-se com a estrada real em que andava; a estranha e rápida associação de idéias provocou nele uma súbita extravagângia:

- Aonde você disse que ia?
- A Bystrica.
- E o que vai fazer lá?
- Tenho um encontro.
- Com quem?
- Com um senhor.

O carro acabava de chegar a um grande cruzamento. O rapaz diminuiu a marcha para elr a placa com as indicações; em seguida tomou a direita.

-E o que acontecerá se você não for ao encontro?
-Será culpa sua e você terá que tomar conta de mim.
-Não percebeu que acabei de tomar a estrada de Nove Zamky?
- É mesmo? Você perdeu a cabeça!
-Não tenha medo! Eu tomo conta de você – disse ele.

O jogo assumiu logo um novo aspecto. O carro se afastara não apenas do destino imaginário – Bystrica – como também do verdadeiro destino para o qual se dirigia naquela manhã: os Tatras e o quarto reservado. A existência representada invadia a existência real. Ele se distanciava a um só tempo de si mesmo e do caminho rigoroso do qual até então nunca se afastara.

- Mas você me disse que ia aos Tatras – surpreendeu-se ela.
- Vou aonde quero, senhorita. Sou um homem livre, faço o que entendo e o que me agrada.

A noite começava a cair quando chegaram a Nove Zamky.O rapaz nunca tinha estado lá e precisou de um bom tempo para se orientar. Parou várias vezes para perguntar às pessoa onde ficava o hotel.As ruas estavam, esburacadas e levaram uns quinze minutos para chegar ao hotel, que afinal ficava bem perto (segundo as pessoas que informaram), depois de muitas voltas e desvios. O hotel nada tinha de convidativo, mas era o único da cidade e o rapaz estava cansado de dirigir. - Espere aí. – disse ele saindo do carro.

Assim que saiu, voltou, é claro a ser ele mesmo. De súbito, desagradou-lhe o fato de estar num lugar totalmente imprevisto ainda mais que não estava ali obrigado por ninguém, nem mesmo por vontade própria. Ele se censurava a extravagância mas depois resolveu não se preocupar mais: o quarto dos Tratas podia esperar até o dia seguinte, e que mal havia em festejar esse primeiro dia de férias com um pouco de imprevisto... Atravessou a sala de jantar – enfumaçada, repleta, barulhenta – e perguntou onde era a recepção. Apontaram para o fundo do hall, ao pé da escada, onde uma loura atarefada pontificava sob um quadro cheio de chaves, conseguiu com dificuldade a chave do último quarto livre.

Ao ficar sozinha, a moça também saiu do seu papel. Não estava nem um pouco aborrecida com a troca de itinerário. Tinha confiança demais no amigo para desconfiar do menor dos seus atos. Mas de repente pensou nas outras moças que ele encontrara nas viagens e que tinham ficado esperando por ele no carro, como ela estava agora. Coisa estranha, esse pensamento não a fazia sofrer, sorria à idéia de que era uma desconhecida para ele, irresponsável e indecente, uma dessas mulheres que lhe despertavam tanto ciúme., acreditava assim suplantá-las, acreditava ter encontrado os meios de apoderar-se de suas armas, de oferecer finalmente ao amigo o que até agora não lhe soubera dar, a despreocupação, o despudor, a liberdade, sentia uma especial satisfação ao pensar que ela sozinha podia ser todas as mulheres e podia assim (ela sozinha) açambarcar toda a atenção do amigo e absorvê-lo inteiramente.

O rapaz abriu a porta do carro e levou a moça para a sala do restaurante. Num canto, no meio da desordem, da sujeira e da fumaça, ele descobriu a única mesa vazia.

7
- Agora vamos ver como é que você vai cuidar de mim – disse a mola num tom provocante.
-Quer tomar um aperitivo? - perguntou o rapaz.

Ela apreciava muito pouco a bebida alcoólica bebia um pouco de vinho e gostava de vermute.Mas dessa vez respondeu de propósito -Uma vodca.

-Muito bem – disse ele - , espero que não se embriague.
-E daí? Está com medo?

Ele não respondeu e chamou o garçom, pediu duas vodcas e dois bifes.Logo depois o garçom colocou diante deles uma bandeja com dois copos.

Ele levantou o copo dizendo - Saúde!

-Será que você não pode encontrar nada mais original?

Havia algo no jogo da moça que começava a irritá-lo, agora que estavam frente a frente compreendeu que, se ela lhe parecia uma outra, não era apenas por causa de suas palavras, mas porque ela estava tão inteiramente metamorfoseada, nos gestos e na mímica, que se parecia, com repugnante fidelidade, àquele tipo de mulher que ele conhecia muito bem e que lhe inspirava ligeira aversão.

Portanto, segurando o copo na mão esquerda, modificou seu brinde- Bem, não vou beber exatamente à sua saúde, mas à saúde da sua espécie, que alia às melhores qualidades do animal os piores defeitos do ser humano.

-Quando você fala da minha espécie, está falando de todas as mulheres? perguntou ela.
-Não, apenas das que se parecem com você.
-De qualquer maneira, não acho muito espirituoso comparar uma mulher a um animal.
-Bem – retrucou ele, segurando o copo com braço levantado -, então vou beber à saúde de suas semelhantes, mas à sua alma, concorda ? À sua alma que se incendeia quando desce da cabeça até o ventre e que se apaga quando torna a subir do ventre para a cabeça.

Ela levantou o copo. -Entendido, à minha alma que desce para o meu ventre.
-Ainda uma pequena retificação – disse ele - Bebamos de preferência a seu ventre, que para onde desce a sua alma.
-Ao meu ventre – disse ela, e seu ventre, que ela acabava de designar pelo nome, parecia responder a um apelo, pois ela sentia cada milímetro de sua pele.

Em seguida o garçom trouxe os bifes. Eles pediram uma segunda vodca e água mineral (dessa vez beberam aos seios da moça). E a conversa prosseguiu num tom estranhamente frívolo. Ele ficava cada vez mais irritado por ver até que ponto sua amiga sabia comportar-se nesse personagem, pensava ele, é porque na verdade ela é assim, no fundo, não era a alma de uma outra, surgida não se sabe de onde, que se insinuava sob a pele dela, quem ela encarnava dessa maneira era ela mesma, ou pelo ou menos a parte de seu ser que ela mantinha habitualmente escondida sob sete chaves, mas que a desculpa do jogo tinha feito sair da gaiola, ela pensava sem dúvida que se negava ao jogar esse jogo. Mas não seria exatamente o contrário? Não seria o jogo que a transformava nela mesma? que a libertava? Não, à sua frente não havia outra mulher no corpo da amiga, era ela mesma, a própria amiga, e mais ninguém. Olhava-a com crescente repugnância.

Mas não era apenas repugnância. Quanto mais ela lhe parecia estranha mentalmente, mais ele a desejava fisicamente. A estranheza da alma singularizava que fazia desse corpo de mulher, ou melhor, era a estranheza que fazia desse corpo, um corpo, como se até então aquele corpo tivesse existido para ele apenas no nevoeiro da compaixão, da ternura, da solicitude, do amor, e da emoção, como se estivesse perdido nesse nevoeiro (sim, como se o corpo estivesse perdido!). Pela primeira vez o rapaz acreditava ver o corpo da amiga.

Depois da terceira vodca com água gasosa, ela se levantou e: - Desculpe – disse com um sorriso sedutor.

-Posso perguntar aonde a senhorita vai?
-Mijar, com sua licença. – e ela se encaminhou para um pequeno compartimento forrado de veludo no fundo do restaurante.

8
A moça gostou de deixá-lo aturdido com essa palavra – certamente bem anódina -, mas que ele nunca a ouvira pronunciar, nada, na sua opinião, definia melhor a personalidade da mulher que ela encarnava do que a ênfase colocada nessa palavra, sim, ela estava satisfeita, estava em excelente forma, o jogo a fascinava, trazia-lhe novas sensações, por exemplo, o sentimento de uma irresponsável despreocupação.

Ela, que sempre temia pelo dia seguinte, sentia-se de súbito inteiramente relaxada.Essa vida de uma outra em que de repente mergulhara era uma vida sem pudor, sem determinações biográficas, sem passado e sem futuro, sem compromisso. Era uma vida excepcionalmente livre.A moça da carona podia tudo, tudo lhe era permitido, dizer tudo, tudo fazer, tudo experimentar.

Atravessava a sala e reparou que estava sendo observada de todas as mesas, isso também era uma sensação nova que não conhecia, o prazer sem pudor que lhe proporcionava seu corpo.Até então ela nuca conseguira libertar-se inteiramente da adolescente de quatorze anos que tem vergonha dos próprios seios e que sente uma desagradável impressão de indecência com a idéia de que eles se salientam do corpo, de que são visíveis. Se bem que tivesse orgulho de ser bonita e bem feita, esse orgulho era imediatamente corrigido pelo pudor. Sabia que a beleza feminina age em primeiro lugar pelo seu poder de provocação sexual e isso para ela, era uma coisa desagradável, desejava que seu corpo se destinasse apenas ao homem que amava, quando os homens olhavam seu busto na rua, parecia que esse olhares sujavam um pouco sua intimidade mais secreta que pertencia apenas a ela e a seu amante. Mas agora era a garota da carona a mulher sem destino, libertara-se das ternas correntes do amor e começava a tomar intensa consciência de seu corpo, e esse corpo mais a excitava na medida em que eram desconhecidos os olhares que o observavam.

Ao passar perto da última mesa, um homem, entre um vinho e outro, querendo com certeza destacar-se por seu conhecimento do mundo, interpelou-a em francês -Combien, mademoiselle?

A moça compreendeu. Inflava o busto e vivia intensamente cada movimento de seus quadris. Desapareceu atrás da porta acolchoava de veludo.

9
Era um jogo engraçado. Era estranho, por exemplo, que o rapaz, embora perfeitamente colocado no papel do motorista desconhecido, não deixasse sequer por um momento de ver sua amiga na personagem da garota da carona. Tal fato, justamente, lhe era penoso, ver sua amiga ocupada em seduzir um desconhecido e ter o triste privilégio de assistir à cena, ver de perto o aspecto que ela apresentava e o que ela iria dizer quando o enganasse (quando fosse enganá-lo), tinha a honra paradoxal de servir, ele mesmo, de incentivo à sua infidelidade.

O pior era que ele a adorava mais do que amava, sempre sentira que a moça tinha realidade apenas dentro dos limites da fidelidade e da pureza e que, além desses limites, ela deixaria de ser ela mesma assim como a água deixa de ser água a partir do ponto de ebulição. Quando a via atravessar essa temível fronteira com uma elegância tão natural, sentia crescer sua raiva.

Ela voltou do toalete queixando-se: -Um sujeito me disse “Quanto senhorita? “
-Não fique espantada! Você esta com aparência de puta.
-Sabe que não estou nem ligando?
-Você devia ter ficado com o tal sujeito!
-Mas estou com você.
-Pode encontrá-lo mais tarde.Basta combinar com ele.
-Ele não me agrada.
-Mas não iria absolutamente incomodá-la ter muitos homens na mesma noite.
-Por que não? Desde que sejam bonitões.
-Você prefere um depois do outro ou todos ao mesmo tempo?
-As duas coisas.

A conversa tornava-se cada vez mais escabrosa. Ela estava um pouco chocada, mas não podia protestar. No jogo, o homem não é livre, para o jogador o jogo é uma armadilha, se não se tratasse de um jogo, e se fossem um para o outro dois desconhecidos, a garota da carona já poderia ter-se ofendido há muito tempo e partir,mas não há meios de escapar a um jogo, o time não pode fugir do campo antes do fim, os peões do jogo de xadrez não podem sair das casas do tabuleiro, os limites do campo são intransponíveis. A moça sabia que era obrigada a aceitar qualquer coisa pelo simples fato de que se tratava de um jogo. Ela sabia que quanto mais longo o jogo fosse levado, mais seria um jogo e mais seria obrigada a jogar docilmente. De nada adiantaria pedir socorro à razão e avisar a alma espantada para guardar distância e não levar o jogo a sério. Justamente por ser um jogo, a alma não sentia medo, não se defendia e se abandonava ao jogo como a uma narcose.

O rapaz chamou o garçom e se levantou. -Vamos embora – disse ele
-Aonde? perguntou ela, fingindo não entender.
-Não faça perguntas!Venha!
-Olhe como você fala comigo!
-Como falo a uma puta.

10
Subiram uma escada mal iluminada, no alto, um grupo de homens um pouco embriagados esperava em frente ao banheiro. Ele a abraçou pelas costas de maneira a ter um de seus seios na palma da mão. Os homens que estavam perto do banheiro perceberam o fato e começaram a dar gritos. Ela quis se desvencilhar, mas ela mandou que se calasse. -Fique quieta! Disse ele, o que os homens acolheram com solidariedade brutal e alguns ditos obscenos dirigidos à moça. Chegaram ao primeiro andar. Ela abriu a porta do quarto e acendeu a luz. Era um quartinho com duas camas, uma mesa, uma cadeira e uma pia. O rapaz empurrou o ferrolho da porta e se virou para a moça. Ela ficou diante dele numa atitude provocante, com uma sensualidade insolente nos olhos. Ele a olhava e se esforçava para descobrir por trás dessa expressão lasciva os traços familiares que amava com ternura. Era como olhar duas imagens na mesma objetiva, duas imagens superpostas aparecendo transparentes uma sobre a outra. Estas duas imagens superpostas diziam-lhe que sua amiga podia ter tudo dentro de si, que sua alma era terrivelmente amorfa, que a fidelidade podia existir nela tanto como a infidelidade, a traição como a inocência, a sedução como o pudor, essa mistura selvagem lhe parecia tão repugnante quanto a mistura de um depósito de lixo. As duas imagens superpostas apareciam sempre transparentes, uma embaixo da outra, e o rapaz compreendia que a diferença entre sua amiga e as outras mulheres era uma diferença muito superficial, que no mais profundo do seu ser sua amiga era semelhante às outras mulheres, como todos os pensamentos, todos os sentimentos, todos os vícios possíveis, o que justificava suas dúvidas e seu ciúmes secretos, que a impressão de contornos delimitando a sua personalidade não era senão uma ilusão a que o outro sucumbia, aquele que a olhava, isto é, ele mesmo. Ele pensava que essa moça, tal como a amava, não era senão um produto de seu desejo, de seu pensamento abstrato, de sua confiança, e que sua amiga, tal como era realmente, era essa mulher que estava ali, desesperadamente outra, desesperadamente estranha, desesperadamente polimorfa. Ele a detestava.

-O que você está esperando? Tire a roupa!

Ela inclinou a cabeça coquetemente e disse -É preciso?

Este tom ecoava em seu ouvido um eco muito familiar como se outra mulher já lhe tivesse dito isso há muito tempo, mas nem sabia mais qual delas. Queria humilhá-la. Não à moça da carona, mas a ela, sua amiga. O jogo acabava se confundindo com a vida. O jogo de humilhar a moça da carona não era senão um pretexto para humilhar sua amiga. Ele esquecera que era um jogo e detestava a moça que estava ali diante dele. Encarou-a, depois tirou uma nota de cinqüenta coroas e lhe estendeu - Chega.?

Ela pegou as cinquenta coroas e disse -Você não é muito generoso.
-Você não vale mais do que isso – disse ele

Ela encostou o corpo no dele: - Você está se comportando mal comigo. Tem que ser mais gentil. Faça um esforço!

Ela o abraçou, estendendo os lábios para ele. Mas ele pôs os dedos em sua boca, afastando-as com suavidade. -Só beijo as mulheres que amo.

- E a mim você não ama?
-Não.
-Quem você ama?
-Isso é da sua conta...Tire a roupa!

11
Nunca ela se despira assim. A timidez, a sensação de pânico no mais profundo de seu ser, a vertigem, tudo aquilo que sentia quando se despia em frente ao rapaz (e que ela não podia dissimular na escuridão), tudo aquilo desaparecera. Permanecia diante dele, segura de si, insolente, em plena claridade, e surpresa por descobrir de repente gestos até então desconhecidos ao tirar a roupa de forma lenta e embriagadora. Atenta a seus olhares, ela tirava a roupa, uma peça depois da outra, amorosamente, saboreando cada etapa desse despojamento.

Mas em seguida, quando ficou completamente nua diante dele, pensou que o jogo não podia continuar, que ao se despojar de suas roupas havia tirado a máscara e estava nua, o que significava que era apenas ela mesma e que o rapaz precisaria tomar a iniciativa de vir na sua direção, fazer um gesto com a mão, um gesto que apagaria tudo e a partir do qual só haveria lugar para suas mais íntimas carícias. Ela estava nua diante dele e havia parado de jogar, sentia-se embaraçada, e o sorriso que na realidade pertencia somente a ela apareceu em seu rosto, um sorriso tímido e confuso.

Mas ele permanecia imóvel, não fazia nenhum gesto para acabar com o jogo. Não via seu sorriso,que no entanto era tão familiar, só via diante de si o belo corpo desconhecido de sua amiga, que ele detestava. A raiva tirava de sua sensualidade todo o verniz sentimental. Ela quis se aproximar, mas ele disse - Fique onde está, para que eu a veja bem. Desejava apenas uma coisa, tratá-la como uma prostituta. Jamais conhecera uma prostituta e a idéias que fazia delas lhe fora transmitida pela literatura e por ouvir falar. Foi essa a imagem que evocou, e a primeira coisa que visualizou foi uma mulher nua com meias pretas, dançando na tampa lustrosa de um piano. Não havia piano no quarto do hotel, apenas uma pequena mesa encostada na parede, coberta com uma toalha. Mandou que sua amiga subisse nela. Ela fez um gesto de súplica, mas...-Você foi paga para isso – disse ele.

Diante da implacável decisão que percebeu em seu olhar, ela se esforçou para prosseguir com o jogo, mas não tinha mais forças. Com lágrimas nos olhos, subiu na mesa. A mesa media quando muito um metro de comprimento por um de largura e estava bamba de pé em cima dela, sentia medo de perder o equilíbrio.

Ele estava satisfeito de ver esse corpo nu que se elevava diante de si, e cuja insegurança medrosa fazia com que se tornasse ainda mais tirânico. Queria ver esse corpo em todas as posições e sob todos os ângulos, como imaginava que outros homens o tinha visto e o veriam. Tornara-se grosseiro e sensual.Dizia palavras que ela nunca o ouvira pronunciar. Ela queria resistir, escapar desse jogo, chamou-o pelo nome, mas ele a obrigou-a a calar-se, dizendo que ela não tinha o direito de lhe falar nesse tom familiar. Acabou cedendo, transtornada, quase em pranto.Inclinou-se para a frente depois abaixou-se, obedecendo ao desejo dele, fez a saudação militar, depois um requebro para dançar um número de twist, mas, num movimento brusco,fez a toalha deslizar e quase caiu. Ele a amparou e a levou para a cama.

Abraçou-a. Ela ficou contente, pensando que o jogo sinistro terminara, que de novo iam ser como eram na realidade, quando se amavam. Quis encostar os lábios nos dele, mas ele a afastou, repetindo que só beijava as mulheres que amava. Ela explodiu em soluços. Mas nem conseguiu chorar, porque a furiosa paixão do amigo se apoderou pouco a pouco do seu corpo, terminando por abafar os gemidos de sua alma. Logo depois havia apenas dois corpos perfeitamente unidos na cama, sensuais e estranhos um ao outro. O que acontecia agora era o que ela sempre temera mais que tudo no mundo, o que sempre evitara: o amor sem sentimento e sem amor. Sabia que atravessara a fronteira proibida, além da qual se comportava sem a menor reserva e em total comunhão. Apenas experimentava, num recôndito do seu espírito, uma espécie de medo ao pensar que nunca sentira tal prazer e tanto prazer como dessa vez. – além dessa fronteira.

12
Depois tudo acabou. O rapaz afastou-se dela e puxou o comprido fio que pendia sobre a cama.A luz apagou-se. Ele não queria ver o rosto dela, sabia que o jogo terminara, mas não tinha nenhuma vontade de voltar ao universo de suas relações habituais. Tinha medo dessa volta. Permanecia ao lado dela no escuro, evitando qualquer contato com seu corpo.

Logo depois ouviu soluços abafados, num gesto tímido, infantil, a mão da moça voltou a tocá-lo, e uma voz se fez ouvir, suplicante, entrecortada de soluços, que o chamava pelo nome e dizia -Sou eu, sou eu.

Ele se calava, imóvel, e compreendia muito bem a triste inconsistência da afirmação de sua amiga, na qual o desconhecido se definia pelo mesmo desconhecido.

Os soluços se transformaram num pranto sentido, a moça ainda repetiu por muito tempo esta comovente tautologia.

-Sou eu, sou eu...

Então ele começou a pedir socorro à compaixão (e teve que chamá-la de muito longe, pois ela não estava em nenhum lugar ao alcance de sua mão) para poder consolar a moça. Tinham ainda pela frente treze dias de férias.